
A VIDA PARA ALÉM DE PROCUSTO
Em uma das versões da mitologia grega, Procusto é apresentado como um ladrão que vivia de roubar quem passasse pela estrada que ligava Mégara a Atenas, só poderia cruzar seu caminho quem passasse por um terrível julgamento: o bandido possuía uma cama de ferro de seu tamanho exato, nenhum centímetro a mais ou a menos, onde ele fazia sua vítima deitar-se. Se a pessoa fosse maior que a cama amputava-lhe as pernas, se fosse menor era esticada até atingir o tamanho desejado. Com esse mito, os gregos queriam ilustrar o quanto estamos sujeitos aos riscos de mutilação quando nos submetemos aos padrões de medida de terceiros, sugerindo também que a vida em sociedade constantemente nos expõe a tais riscos.
Passados tantos séculos, verificamos que o mito de Procusto ainda se faz presente em nossa sociedade, sobretudo quando nos colocamos numa busca frenética por atender às demandas sociais padronizadas, cujos critérios são estabelecidos por agentes externos a nós. Verificamos ao nosso redor uma legião de pessoas que vão desistindo de ser em função de uma busca que não lhe fazem sentido algum, simplesmente em nome de sonhos e metas que não foram criados por eles e que por isso, não lhes pertencem. Por outro lado, percebemos também a existência de pessoas que lutam bravamente por manter a sua individualidade e sua essência, apesar de todo o bombardeio sofrido para que se “demitam de ser”, conforme escreve Drumond no seu famoso poema “Eu etiqueta”. Daí a necessidade de conferirmos maior valor à nossa self, nossa autoimagem, com o intuito de nos convencermos de que é possível suplantar o determinismo da automutilação, acreditando firmemente que é possível levar uma vida social saudável, plena e realizada, sem precisar abrir mão de quem de fato somos, sem perdermos os valores e características que conferem a cada um de nós o sentido exato daquilo que podemos chamar de individualidade. A filosofia nos convida caminhar pelas veredas da autoanálise, afim de descobrir-se cada vez mais como o protagonista da sua própria existência e dos seus caminhos, demonstrando para si mesmo que existe possibilidade de vivermos para além da cama de Procusto. Vamos nessa?